Trinta e nove anos. Esse é o tempo que levou para um triatleta profissional negro participar do Ironman de Kona, realizado anualmente no Havaí (EUA) e considerado o campeonato mundial da categoria. O feito foi alcançado pelo mineiro Thiago Vinhal, que em 2017 foi um dos três brasileiros a conseguir a vaga (concedida por resultados em outras provas do circuito) para disputar a competição com 3,8 km de natação, 180 km de ciclismo e 42 km de corrida.

E Vinhal não só participou, como fez bonito na prova. Com 8h27min24s, foi o 13° atleta a cruzar a linha de chegada, entre os 59 que largaram. "Foi minha redenção. Nunca aceitei a história de que preto não nadava bem, que não pedalava bem. Chegar a Kona já foi uma vitória. Mas a sorte favorece o espírito preparado e consegui um bom resultado. Eu sonhei com essa conquista", emociona-se o triatleta ao recordar sua conquista.

A busca por representatividade

Por ser um esporte caro (algumas bikes custam mais de R$ 30 mil e a inscrição no Ironman ultrapassa os R$ 1.000), o triatlo é mais praticado pelas classes de elite e são poucos os atletas negros na modalidade —e não só no Brasil. Nos Estados Unidos, onde a modalidade foi criada, Max Fennell é o único profissional afro-americano. O esporte existe desde o início dos anos 1970 e, por mais que alguns movimentos esportivos, como a corrida, tenham atraído atletas negros, o triatlo continua com baixa representatividade. Em muitas de suas entrevistas, Fennell fala sobre ampliar esse quadro. "A sociedade nos ensina que, como homem afro-americano, você só terá sucesso se for jogador de basquete, de futebol ou algum tipo de artista. Quando você não tem alguém que se pareça com você, não vai se sentir atraído por aquilo." Tony Brown, fundador e presidente da Black Triathletes Association, organização criada em 2014 para aumentar o número de triatletas negros, é da mesma opinião: ele considera que os afro-americanos não veem o esporte como legal porque não há estrelas negras. A missão de Fennell, Brown e Vinhal também é inspirar garotos e garotas negros.

Na falta de referências no triatlo, Vinhal foi buscar na Fórmula 1 e no golfe suas inspirações. "O Lewis Hamilton e o Tiger Woods também surgiram e brilharam em esportes de elite. Chegar lá só mostra como é possível sonhar grande, independentemente de raça, de dinheiro. Quando a gente pensa alto e segue um planejamento à risca, as coisas vão avançando", acredita o mineiro de Belo Horizonte. Vinhal diz que o fato de ser negro nunca o levou a grandes situações de desconforto no triatlo. E atribui o saber lidar com isso à educação e ao posicionamento que recebeu dos pais, que sempre reforçaram sua autoestima. "Eles tiveram a clareza de nos ensinar que nossa diversidade era nossa fortaleza. Nunca deixei nada me jogar para baixo. Já enfrentei obstáculos, claro, mas busquei o caminho da comunicação, da leveza. Às vezes é falta de cultura, de conhecimento, da outra parte. E ter visibilidade no esporte ajuda a desconstruir preconceitos."

O início no esporte

A família Vinhal nunca teve histórico esportivo. Porém, ao notar a energia do filho mais velho, a mãe decidiu encaminhá-lo para uma atividade física. Ele então começou a fazer natação, aos três anos de idade. E ainda criança viu nascer sua veia competitiva. "Gostava de ganhar do amiguinho na raia ao lado", lembra. No colégio, que incentivava a prática esportiva, descobriu uma maneira de se envolver ainda mais. "Meus pais disseram que se eu tirasse nota boa, podia fazer o que quisesse. Como era bom aluno, quase morava na escola. Experimentei várias atividades e cada uma me ensinou algo. Desde cedo o esporte mostrou que treinando com disciplina eu poderia melhora. E mesmo se fosse ruim em alguma modalidade, poderia ser bom para o time." Embora os pais desejassem para ele profissões como advogado, engenheiro e médico, na adolescência Thiago já sonhava em viver de esporte. "Imaginavam para mim uma carreira que fosse estável e bem remunerada." Cursando o segundo grau técnico em administração, ele passou a ter contato com o mundo do empreendedorismo e do networking --o que ampliou sua visão. Também percebeu seu potencial de comunicação. Na hora do vestibular, optou por economia.

Mais ou menos nessa época, pelo porte atlético e desenvoltura, também se arriscou como modelo. Apesar do físico de que sempre praticou esportes, a agência pediu para que o mineiro ficasse "trincado" para pegar mais trabalhos. Foi aí que as portas para o triatlo se abriram: "Eu já nadava e precisei aumentar a carga de treino. Então, decidi correr e pedalar também" Na faculdade, por ser atleta amador, ele passou a ajudar os amigos que pediam dicas de como ter uma rotina saudável. "Isso me deixava feliz, era minha verdade. Era o que queria para minha vida. Fiz apenas dois períodos de economia e segui atrás de meu sonho como profissional de educação física."

Texto: Yara Achôa

Colaboração para o Viva Bem

20/11/2020 04h00

Fonte: Viva Bem